Suzana & Canã - Parte 3

Canã está deitado na cama, sem lanchonete, sem pessoas barulhentas, sem garçonete, sem Suzana, sem Canã. Bem, não o Canã que conhecemos e sim outro, mais jovem deitado em seu quarto. Roupas pelo chão, cama desarrumada, um cd do Los Hermanos jogado num canto, ele olhava para o cd.

- "Bloco do Eu Sozinho" - sorriu - "Até o título combina comigo." - Pensava enquanto ouvia as músicas do mesmo.

Ele se veste, iria viajar, espairecer, (E porque não esquecer?) afinal estava de férias, não que significasse alguma coisa porque férias para ele era igual a ficar enfurnado numa casa por muitos dias. Dessa vez era diferente, iria sair para um lugar distante, sem comunicação com os outros, apenas ele, sua família e o novo lugar.

- "Quase um retiro espiritual, quem sabe isso dá certo não é? Um momento de descanso da alma, longe de tudo e todos!" - Pensava esperançoso.

Na verdade, ele não via muito diferença em ficar em casa ou viajar, estaria sozinho do mesmo jeito. Seus amigos viviam suas vidas e se comunicar com alguém que chora pitangas direto não fazia parte delas, já tinham feito as suas partes e sabia que agora era só o tempo. E ele fez seu trabalho, Canã voltou melhor e até parecia ter sido trocado com outra pessoa, estava diferente e disposto a mudar ainda mais. Experimentava coisas, lugares, sensações, situações... (Tudo com consciência é claro, não seria burro de acabar com a vida por uma idiotice qualquer) Estava se tornando a pessoa que queria ser a muito tempo.

- "Tão diferente que até Suzana estranharia!" - Começou com esse pensamento, mas com o tempo nem lembrava dela, mesmo ouvindo o seu nome e a vendo em muitos lugares.

Ah, Suzana! Se ele ainda sofria por ela? Sofria, mas aprendeu a deixar esse sofrer embaixo de uma série de coisas e ansiedades, de vez em quando voltava e logo depois passava. Só que uma coisa ainda o ligava a ela, nunca teve a oportunidade de falar tudo que tinha a dizer e ouvir dela o mesmo, (Como se diz: Colocar os pingos nos i's) com Suzana aparentando ficar mais distante e si próprio cada vez menos se importando com essa história, foi levando a vida até que encontrou-a após um esbarrão...

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O silêncio se prolongou por algum tempo, Suzana sempre achou que fosse o motivo e tinha se preparado para se defender disso, mas para essa nova situação ela não estava preparada então só comeu antes que tudo esfriasse, Canã, após enxugar os olhos e levantar um pouco a cabeça, a viu e decidiu que seria melhor comer também. Depois de acabar perguntou:

- Você não tem nada a dizer?
- Queria dizer que sim... mas não, não tenho nada a dizer. - Ela disse um pouco envergonhada.
- E esse alface no seu dente, tem? - Disse rindo levemente.
- Seu besta! - Suzana riu e tirou o alface escondendo a boca.
- Nem sou! Bu!
- Agora, você me lembrou do Canã do colégio, que não deixava passar nada sem uma piada!

Os dois riram, riram mais um pouco e parecia que enfim tudo que tinha para ser falado foi. A garçonete de longe olhou e disse para o seu amigo imaginário:

- Casais, pf! Sempre as mesmas coisas e mongolices! Acredita que nesse instante estavam brigando?  
                          



Suzana & Canã - Parte 2

Suzana parou por um instante, olhou fixamente para Canã e de repente seu tom de voz mudou, ficou mais baixo e doce, de certa forma até meio tímido.

- Eu não achava, eu realmente gostava de você, sentia algo a mais ou seja lá como podemos chamar, só que eu percebi que não daria certo, sempre tinha algum problema, algum empecilho...
- Eu sei, mas o problema está ai! você percebeu que não daria certo mas não me deu chance de perceber isso, sempre falava ou fazia coisas que me faziam acreditar que teríamos chance, afinal era tudo tão confuso e complicado que daria certo!
- Mas essa não era a minha inten...- Suzana foi interrompida por algo que ela não achou que veria, Canã estava com lágrimas nos olhos e com uma aparência bem diferente daquele homem furioso com questões do passado.
- Sabe qual o grande problema disso tudo? Sabe porque eu fico remoendo essa história a todo instante? É porque eu não sei se no fim das contas eu te culpo ou se te agradeço, Droga! Eu sou tão ridículo!
- Co... Como assim?! - Suzana ficou surpresa e não conseguiu disfarçar isso no seu rosto - Canã, eu não estou entendendo nada!
- É que quando eu descobri tudo, eu sofri muito, passei noites em claro, chorei, comi a força, afinal eu te amava! E acredite eu posso dizer com todas as letras, se realmente um ser humano só ama 3 vezes na vida, uma eu já gastei com você...
- Eu continuo não entendendo...
- Bem, depois de um tempo eu percebi que sofrer não valia a pena, EU não merecia aquilo, então resolvi dar uma virada na minha vida e no fim das contas mudei, mudei para alguém muito melhor. Isso tudo por sua causa, mas ao mesmo tempo se tudo tivesse continuado do jeito que estava antes eu estaria muito feliz, não sei, é tudo tão confuso!

Quando Suzana iria abrir a boca para falar algo, a garçonete novamente apareceu do nada, trazendo consigo os cafés e os sanduíches e rebolou-os em cima da mesa, antes de ir embora percebeu o rosto de Canã.

- Casais vivem brigando por aqui, mas normalmente a mulher que chora. Cruzes, sua mocinha! Não fazem homens como antigamente... - E saiu falando sobre o caso para alguém (Talvez algum amigo imaginário ou algo do tipo, pois as pessoas do ambiente estavam muito preocupadas em suas conversas para prestar atenção no que aquela mulher dizia) Enquanto Canã olhava incrédulo para aquela mulher.
- É muito mal-amada mesmo uma mulher dessa! Depois fica se lamuriando pros outros dizendo que queria um homem romântico e blá blá blá, Você merece muito é uns tapas, sua infeliz! - Disse para a mulher (Que não escutou ou fingiu não escutar, era xingada por tanta gente naquele lugar que nem se importava.)
- Não liga para ela, Canã! - Suzana disse calmamente - Mas voltando ao nosso assunto, eu não sabia que você tinha passado por isso, quer dizer, eu perguntei se você estava bem e tu disseste que não estava mas eu não pensei que era tanto!
- Não me surpreende! O que me deixava mais abatido era isso, Suzana! Você nunca aparentar se importar em como eu estava, parecia que eu tinha sumido da sua vida e então eu resolvi fazer o mesmo! - E então o raivoso Canã estava de volta e a todo vapor, porém com os olhos vermelhos. (O que o fazia parecer um drogado se não fosse as lágrimas, é fato.)
- Epa, isso nunca foi verdade! Eu me preocupei com você, mas eu tinha medo de perguntar, achava melhor te dar espaço, afinal eu só iria te atrapalhar mais se ficasse por perto. - Suzana se elevou um pouco, mas percebeu que aquilo só pioraria a situação.
- Não sei se acredito nisso, quem me garante que você está me dizendo isso porque ficou com pena depois de saber como eu fiquei?
- Acredita em mim, Canã! Deixa de ser cabeça dura! Não foi só você que sofreu com isso, sabia? Nossos amigos que sabiam de tudo ficaram todos contra mim, eu também sofri com essa história! - Suzana não aguentou mais tentar ser paciente, pegou suas coisas e quando já ia se levantar ouviu de Canã.
- Eu sei disso, mas a diferença é que tu tinhas alguém como porto seguro no fim de tudo, alguém pra gostar, pra passar os bons momentos, pra falar sobre o teu dia do jeito que a gente fazia... e eu? eu só tive eu mesmo e meus pensamentos, muitos deles com você presente, na verdade...

E então nos momentos seguintes imperou um silêncio, Suzana colocou suas coisas onde estavam e começou a entender o que na verdade acontecia, Canã não tinha raiva dela, nem do seu namorado na época em que tudo aconteceu, nem dele mesmo. Ele tinha na verdade raiva da solidão que lhe foi imposta de uma hora pra outra, quando ela lhe fez a revelação de que tudo que ele sonhara e pensara não aconteceria, pois tinha arranjado outra pessoa para compartilhar seu coração...

    

Suzana & Canã - Parte 1

Numa tarde como qualquer outra, num dia como qualquer outro, onde sol estava lá no alto esquentando a cabeça de todos e que as pessoas andam apressadas para os seus afazeres, "Enfim um dia como qualquer outro" era o que eles pensavam, mas não era um dia assim. Hoje era um dia diferente, um dia que tão cedo eles esqueceriam, o dia em que se encontrariam novamente. Quem são eles? Ora, toda história tem que começar dando nome aos bois não é mesmo? Pois bem, seus nomes são Suzana e Canã. E na tal tarde citada no começo, entre todas as pessoas que andam apressadas, eles foram justamente se esbarrar um no outro. Sabe, eles poderia simplesmente pedir desculpas pelo esbarrão (Ou não pedir, afinal as pessoas são tão mal educadas hoje em dia) e seguir o seu caminho, fazia tanto tempo que não se viam que não lembravam do outro, alias não queria lembrar, mas quis o destino ou o cérebro maroto (Tirem suas conclusões) que em um rápido lampejo eles lembraram. E como lembraram.

- Suzana? - Ele disse não acreditando no que via.
- Sim, de onde você me.. Não, você é o Canã não é?
- Sou eu sim, quanto tempo! Faz uns 6,7 anos...
- Pois é! E você, como vai?
- Vou muito bem, obrigado! Apesar de tudo que você fez...- Disse ele em um tom irônico percebível a quilômetros de distância. - Mas e você, como vai? - Quando Suzana se preparava para falar, ele a interrompeu. - Espera, já que estamos aqui mesmo, que tal tomarmos um café?
- Vou bem também! Pode ser, aquele lugar parece bom... - Ela falou meio desconcertada, apontando para um prédio velho porém aprazível.

Enquanto tinham essa conversa, meio desajeitadamente, como se preferissem estar em qualquer lugar que não ali, foram entrando em uma lanchonete e sentando numa mesa no canto do lugar, lugar esse bem propicio para a discussão que seguiria, um lugar barulhento onde poderiam conversar e ninguém se importaria com nada falado ali. (A não ser que alguém fosse esfaqueado, ai as pessoas esticariam a cabeça para olhar, mas só isso.)

- Continuando, não vamos falar sobre esse assunto pois como você mesmo disse já passou muito tempo e nós éramos só adolescentes... - Suzana estava querendo mudar de assunto, mesmo sabendo que aquilo era inevitável.
- Você não quer falar sobre isso por que passou  muito tempo ou por que não quer lembrar o quanto você me enganou?
- Pelo amor de Deus, Canã! Eu não queria te enganar, alias eu só não te disse logo porque eu não queria te machucar!
- Parabéns, você é péssima em alcançar seus objetivos!
- Você também, fica ai se fazendo de vítima, de santo, como se nunca tivesse feito isso com ninguém! - Suzana se exaltara, mas para aquele lugar tão barulhento, não era mais que uma conversa normal.
- Fiz sim, como todo mundo, mas ao contrário de você eu não passei 5 meses enganando essa pessoa, escondendo o que pudesse faze-la descobrir, nem falando nem deixando as outras falarem, traindo essa pessoa! - Canã se exaltava mais ainda que Suzana.
- Já te disse que não foi nada disso, isso foi história daquele povo e...
- O que vão querer? - Eis que chegou a salvadora da pátria, a ganhadora do prêmio Nobel da Paz, a incrível e sempre mal-humorada garçonete (Que não nos importa o nome nessa história).

Os dois olharam surpresos e confusos para aquela mulher que apareceu com um caderno na mão sorrateiramente, na verdade estavam tão concentrados na sua conversa que não notaram quando ela chegou.

- Ah... sim... pedido? - Canã perguntou ainda confuso com aquela estranha mulher.
- É, pedido. Aquele negócio em que você dizem o querem comer, eu finjo que anoto, falo pro cozinheiro e o motivo de vocês terem entrado aqui. Porque até onde eu sei ainda não contrataram gente para esquentar os bancos.
Suzana se adiantou: - Um café e um sanduíche natural para nós dois, por favor. Tudo bem? - Olhou para Canã que assentiu com a cabeça.

A garçonete saiu a passos lentos, deixando mais que claro que só fazia aquilo por obrigação e que estava mais do que entediada daquilo, e enquanto isso os dois na mesa já se olhavam como se estivessem prontos para começar o segundo round.

Mais uma vez Suzana começou logo a falar - Como eu ia dizendo, aquilo foi história daquelas pessoas! Foi no máximo um mês e não aconteceu nada demais!
- Não aconteceu nada demais tantas vezes que assim que eu descobri tudo vocês começaram a namorar...
- Pará com isso, parece até que voltamos no tempo! Tudo do mesmo jeito de 6 anos atrás, você me acusando de mil coisas e se fazendo de vítima!
- Se fazendo de vítima nada, eu sei que errei, demorei demais pra lutar pela gente, me importei demais com a opinião alheia, mas eu queria pelo menos um pouco de consideração! Um "Ei, cansei de esperar, me arranjei com outro aqui!" e não um "Continuei minha vida, mas vou fingir que ainda estou esperando, tá certo?"
- Se te faz ficar menos revoltado, eu terminei com ele a muito tempo!
- Obrigado mas não faz! Com ele ou sem ele a merda já foi feita! E eu perdi tempo demais da minha vida com isso!
- E você quer que eu faça o que? Te peça desculpa pelo seu precioso tempo perdido?! Me poupe!
- É, realmente foi um grande tempo perdido com uma pessoa como você!
- Eu nunca pedi pra você gostar de mim!
- Então nunca tivesse me dito que sentia o mesmo quando na verdade você só achava que era isso!

E como Suzana havia dito, parecia que eles tinha voltado para 6 anos atras e naquela tarde como qualquer outra, naquele dia como qualquer outro, naquela lanchonete barulhenta, o jovem Canã e a jovem Suzana teriam a conversa que deveriam ter tido a 6 anos...